O DESAFIO DE UMA MUDANCA EM MEIO A UMA PANDEMIA
Como muitos
de vocês sabem, me mudei a 3 meses para a Colômbia. 3 semanas depois da nossa
chegada, o país fechou as portas para o mundo, estabeleceu normativas extremas
de isolamento social entramos em Lockdown.
Mas na verdade não importa onde esteja, será uma nova casa, num novo lugar, mas apenas mudarão as paredes que nos fecham para o mundo que já não existe mais. Será que é mesmo só isso? Acho que a situação vai um pouco mais fundo...
Tenho 3
amigas que estão se mudando nas próximas semanas, a Melissa Lima entre elas, e algumas que se mudaram junto
comigo instantes antes do caos chegar aqui na América. Conversamos um pouco daquilo que aprendemos nessa doidera... afinal, nem é minha primeira
pandemia chegando num país, tive a “sorte” de viver essa experiencia poucos
meses depois de chegar ao Mexico em 2009 na pandemia do H1N1.
No aspecto prático
da coisa, mudar em meio a uma pandemia é tenso. Uma amiga cuja irmã vive na
China, me cantou a bola dos riscos reais, ainda no mês de janeiro, então quando
vim para cá em fevereiro, com mala, cuia, filhos, gata e cachorra, todos estávamos
de máscaras e luvas, parecíamos ET´s, todo mundo olhava para gente com aquela
cara de “aff, que exagero..” pela mesma dica da minha amiga tenho pacotes de
mascaras descartáveis até hoje, compradas muito antes de desaparecerem do mercado
ou estarem caríssimas.
Assim que minha dica é, cheque como estará a situação onde está seu destino, uma amiga que se mudou do Mexico para o Sul do Brasil comprou todos os moveis e eletrodomésticos online enquanto vendia suas coisas no Mexico, com a pandemia, os serviços que já eram lentos, ficaram piores, em alguns lugares como a Colômbia inexistem, porque o governo impediu as fabricas de seguirem trabalhando. Assim que ela terminou de cumprir a quarentena obrigatória, se mudou para sua casa com moveis chegando. Isso serve para serviços de internet e telefonia, essenciais em uma situação de isolamento. Se for como nós, que chegamos a outro país sem histórico de credito, pode ser difícil conseguir contratar serviços, nós não conseguimos internet no nosso nome, tivemos que contratar em nome de outra pessoa. Outra amiga optou por um apto totalmente mobiliado para viver “enquanto isso”.
Quando
chegam suas coisas, se como nós, enviar sua casa em um container, terá que
seguir com todos os protocolos de segurança biológica, tanto para receber a
mudanca como os trabalhadores que entrarão na sua casa. Aqui quando precisei
que entrassem para fazer qualquer serviço indispensável, o protocolo que sigo é
desinfetar o sapato da pessoa, colocar touca descartável nos pés dela, descartar
as luvas que trazem da rua, lavar as mãos, colocar luvas minhas, descartáveis e
estéreis, uso obrigatório de mascaras para todo mundo. Meus filhos enfiei num
quarto onde ninguém teve acesso, fechados com os pets. Todas as caixas da
mudanca ficaram na garagem, meu marido e eu passávamos um atomizador industrial
para desinfectar tudo, antes de entrar em casa. Usamos máscaras e lavávamos as mãos
a cada hora. Isso valeu para todo o processo de abrir as caixas. Ou seja, o
trabalho que já é pesado foi potencializado por todo esse estresse.
No aspecto psicológico
o buraco é um pouco mais embaixo. Se tem algo que aprendi na marra, em todas
minhas mudanças, foi que nossos corações devem estar onde nossos pés estão.
Sempre busquei criar um mundo, onde vivo, conhecer gente, criar uma rede de apoio,
criar rotinas sociais que acabam semeando as amizades que um dia brotarão
ou apenas uma sensação de pertencer a sociedade local. Como fazer isso a
pandemia? Sim, eu sei que nenhum de vocês ve os amigos, se estão seguindo os
protocolos, mas sabem que estão ali, na esquina. Alias sabem o que há na
esquina, onde encontrar cada coisa que precisam. Sabem que a hora que puderem
relaxar poderão encontrar os amigos, fazer aquele almoço, aquele churrasco, ou
só tomar aquele café ao vivo e a cores que está suspenso.
Nós não sabemos
o que nos esperar no final do túnel. Não há uma porta que tocar, uma janela
para abrir, um quintal para ir. Não há expectativa dos filhos reverem os amigos
para jogar futebol ou brincar de casinha. Não há amigos, nem rede de apoio. Não
sabemos se veremos as avós já idosas esse ano ou no ano seguinte, de repente as
conversas do portão, do lado de fora, para checar os velhinhos, nos parece um
luxo grande demais, pois sabemos que viagens internacionais serão a última opção
da lista infinita de novo normal.
Hoje, o
mundo inteiro vive o que nós vivemos, longe de tudo e todos. Aquela saudade
doída, conversas on line, cafés virtuais, festas dentro de uma videochamada, sempre foram nossa realidade. Só
que para a gente o longe ficou ainda mais distante, não apenas na distância física,
mas na linha do tempo indeterminado.
Mudar de
país é para os fortes, mas em meio a uma pandemia é uma batalha de Titã. A dor
da distância de não saber se ou quando poderemos ver ou abraçar novamente os
amigos que deixamos para trás, aquela familia construída em anos de cuidadoso
cultivo, de uma amizade que sobrepassa o entendimento, se soma a toda aquela
dor, medo e saudade que já temos da nossa vida anterior, da nossa familia e
amigos do Brasil.
São vidas
que se sobrepõe e ficam suspensas, esperando o desfecho de tudo isso, enquanto
a nova vida também fica em suspenso, esperando para ser provada, vivida,
conhecida. Os lugares, sabores, cultura, amizades que viriam para fazer tudo
isso valer a pena, também não virao. E quando vierem, quem sabe que gosto terão.
Enquanto isso a gente tenta criar algo virtualmente, porque a solidariedade existe
e a forca de vontade é mais forte, sempre aparece uma boa alma em um chat que voce
consegue entrar, para saber onde encontrar isso ou aquilo, de repente uma
vizinha empática entra em contato ou o pessoal do grupo de brasileiros local é solidário
a situação. No H1N1, que foi algo em uma escala muito menor, me deu os primeiros amigos no Mexico e em meio ao COVID, já começo a plantar minhas
primeiras sementes.
Nenhum ser
humano é uma ilha. Se há algo que todos estamos aprendendo é que precisamos de
contato. Manter o contato com as vidas que deixamos para trás, esperando que um
dia possamos nos ver novamente, naquela viagem que íamos fazer juntos, e sonhar
com um novo amanhã, diferente do esperado é uma grande lição para quem muda em
meio a todo esse caos. Uma lição que vivemos e ensinamos aos nossos filhos, que um dia contaremos como anenotas, se Deus permitir.
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